O
recente acidente envolvendo a colisão do Boeing 737 da
Gol com o jato executivo Legacy da Embraer trouxe muitos termos
técnicos às páginas dos nossos jornais. Palavras
e siglas estranhas como “transponder”, “radar”,
“TCAS”, etc, tornaram-se comuns no cotidiano de milhões
de brasileiros que enfaticamente discutem situações
e causas para o ocorrido. Tudo perfeitamente normal na nossa complexa
e “internética” sociedade, ávida por
“opiniões”. Só me chamou a atenção
o fato de que, quando perguntei a um desses inflamados debatedores
se ele sabia o que era exatamente o “transponder”
do qual falava com tanta confiança, a resposta que obtive
foi: “uma coisinha no avião que conversa com o controlador
de vôo!”
Naquele momento, sendo eu um piloto com alguma experiência
“nas costas”, me senti um tanto ofendido. Estaria
ele me chamando de “transponder”? Afinal, eu, o piloto,
sou a “coisinha” dentro do avião que conversa
com o controlador de vôo no solo. Seria muito desaforo!
Ou estaria ele confundindo o transponder com o rádio?
Olhei novamente para ele com olhar “técnico”,
mas amigável, de segunda chance. “Você sabe
como funciona essa coisinha de que você falou?” Ele
parou de falar, pensou, coçou a cabeça e respondeu:
“Sabe que não! Mas seja lá o que for, deve
ser importante para fazer o avião voar”.
Naquele momento, indignado, decidi escrever este singelo texto
sobre essas “estranhas coisinhas”. Misteriosos equipamentos
presentes nos aviões e que, vez ou outra, entram no nosso
dia-a-dia sem muita explicação ou licença.
Primeiramente é necessário imaginar a situação,
o tráfego aéreo. Sentado na varanda de um apartamento,
olhando para o trânsito do começo da noite em uma
rua movimentada de São Paulo, podemos imaginar o que aconteceria
se não existissem sinais, se os carros não pudessem
parar e se fosse extremamente difícil para um veículo
avistar e desviar a tempo do outro. Resultado: caos, luz e calor!
Este seria o cenário aéreo com o aumento do número
de “objetos mais pesados que o ar” tentando, todos
ao mesmo tempo, chegar aos seus respectivos destinos. Assim, o
controle de tráfego aéreo é algo que foi
criado para garantir que cada aeronave consiga percorrer a sua
rota, do estacionamento no aeroporto de partida ao estacionamento
da chegada, sem colidir, ou mesmo aproximar-se, de outros aviões.
Tudo isso, idealmente, dentro das suas limitações
de combustível e com tempo de espera ao menos aceitável,
seja no solo ou no ar.
Para tanto, o controle de tráfego aéreo desenvolveu-se,
ao longo de muitos anos e muitos acidentes, com a utilização
de vários equipamentos instalados nos aviões e no
solo. Nas cabines dos aviões, recheadas com todos os modernos
sensores e instrumentos, os pilotos têm a sua disposição
muitas informações como a situação
e parâmetros de todos os sistemas de bordo, incluindo saúde
dos motores (é claro!), altitude, velocidade, posição
geográfica atual, etc. Também possuem muitos equipamentos
de interesse e uso direto para o controle de tráfego como
rádios, sistema de alerta de tráfego e anti-colisão,
etc.... Até o misterioso transponder!
No solo, o sistema de controle de tráfego conta com radares,
rádios, computadores e olhos atentos!
Normalmente, o problema do controle de tráfego está
em saber qual é a posição atual de cada aeronave
na área, sua velocidade, altitude, direção
de vôo, intenções e destino. De posse de todas
essas informações, e conhecendo também a
performance de cada aeronave e as características geográficas
peculiares da localidade, no caso de aproximação
ou partida, o sistema de controle de vôo pode calcular a
melhor trajetória para cada avião, de forma que
todos possam movimentar-se com segurança. Para auxiliar,
existem procedimentos, rotas e parâmetros de vôo pré-determinados,
conhecidos e treinados pelos pilotos e controladores.
“E o transponder? Pelo amor de Deus! Pare de enrolar e diga
logo para que serve!”
Espera ai! Quem falou isso? O trecho de diálogo acabou
na página anterior!
Em todo caso, com ou sem fantasmas no texto, estamos chegando
la!
A informação disponível ao piloto, completa
ou parcial, a respeito de sua posição atual, velocidade
e altitude vem, normalmente, de sistemas embarcados, como o sistema
inercial, ou de sistemas que utilizam sinais do solo ou de satélites,
como o VOR e o GPS.
O controlador, por sua vez, obtém dados de posição,
velocidade e altitude, através do uso do Radar. Aliás,
você sabia que a palavra “radar” é uma
sigla também? O RADAR (Radio Detection and Ranging –
Deteção e medida de distância por rádio)
foi inventado em 1941, durante a segunda guerra mundial, para
detectar aviões inimigos. Seu princípio básico
de operação é a transmissão de pulsos
eletromagnéticos (ondas de rádio) que refletem na
superfície do avião e retornam para a sua antena.
A direção da antena, o tempo para retorno e a variação
da frequência indicam a posição e velocidade
do “alvo” (o avião).
O transponder, cujo nome também deriva de uma sigla (“Transmitter-Responder”,
ou “Transmissor-Respondedor”), é um pequeno
aparelho instalado nos aviões, e que surgiu logo depois
do radar, a partir das necessidades da guerra. Sua primeira função
era responder com um código de identificação
secreto (“sou eu! não atire!”) sempre que o
avião era varrido (“interrogado”) pelas ondas
eletromagnéticas de um radar amigo. Assim, as baterias
anti-aéreas não “cuspiam chumbo” naquela
aeronave detectada, porém identificada como amiga, pelo
radar de defesa.
Passadas as agruras da guerra, notou-se que o radar primário,
utilizado pelo controle civil de tráfego aéreo,
tinha várias falhas e não detectava bem as aeronaves
pequenas, principalmente feitas com muitas partes não metálicas.
Além disso, não tinha precisão de altitude
ou a identificação da aeronave para informar ao
controlador.
Assim, para resolver esses problemas, as aeronaves passaram a
utilizar o transponder. Ele recebe os pulsos eletromagnéticos,
amplifica e transmite uma resposta, todas as vezes que o radar
primário “ilumina” a aeronave com suas ondas
(“interroga”). O sinal de reforço e resposta
incluem o código da aeronave, a sua altitude e outras informações,
dependendo do modo de operação selecionado. Esse
tipo de operação de controle de tráfego usando
o radar e o transponder juntos é chamado de “radar
secundário”.
OK!
Agora que todos sabem, finalmente o que é, e para que serve,
o transponder, resta saber o que seriam todas essas outras coisas
misteriosas que apareceram no meio da explicação,
como sistema inercial, GPS, VOR, TCAS, etc...
Êta! Falha nossa! Esses ficam para as próximas!
A
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