O MISTERIOSO TRANSPONDER

Marcos Pontes
03/12/2006

O recente acidente envolvendo a colisão do Boeing 737 da Gol com o jato executivo Legacy da Embraer trouxe muitos termos técnicos às páginas dos nossos jornais. Palavras e siglas estranhas como “transponder”, “radar”, “TCAS”, etc, tornaram-se comuns no cotidiano de milhões de brasileiros que enfaticamente discutem situações e causas para o ocorrido. Tudo perfeitamente normal na nossa complexa e “internética” sociedade, ávida por “opiniões”. Só me chamou a atenção o fato de que, quando perguntei a um desses inflamados debatedores se ele sabia o que era exatamente o “transponder” do qual falava com tanta confiança, a resposta que obtive foi: “uma coisinha no avião que conversa com o controlador de vôo!”
Naquele momento, sendo eu um piloto com alguma experiência “nas costas”, me senti um tanto ofendido. Estaria ele me chamando de “transponder”? Afinal, eu, o piloto, sou a “coisinha” dentro do avião que conversa com o controlador de vôo no solo. Seria muito desaforo! Ou estaria ele confundindo o transponder com o rádio?
Olhei novamente para ele com olhar “técnico”, mas amigável, de segunda chance. “Você sabe como funciona essa coisinha de que você falou?” Ele parou de falar, pensou, coçou a cabeça e respondeu: “Sabe que não! Mas seja lá o que for, deve ser importante para fazer o avião voar”.
Naquele momento, indignado, decidi escrever este singelo texto sobre essas “estranhas coisinhas”. Misteriosos equipamentos presentes nos aviões e que, vez ou outra, entram no nosso dia-a-dia sem muita explicação ou licença.
Primeiramente é necessário imaginar a situação, o tráfego aéreo. Sentado na varanda de um apartamento, olhando para o trânsito do começo da noite em uma rua movimentada de São Paulo, podemos imaginar o que aconteceria se não existissem sinais, se os carros não pudessem parar e se fosse extremamente difícil para um veículo avistar e desviar a tempo do outro. Resultado: caos, luz e calor!
Este seria o cenário aéreo com o aumento do número de “objetos mais pesados que o ar” tentando, todos ao mesmo tempo, chegar aos seus respectivos destinos. Assim, o controle de tráfego aéreo é algo que foi criado para garantir que cada aeronave consiga percorrer a sua rota, do estacionamento no aeroporto de partida ao estacionamento da chegada, sem colidir, ou mesmo aproximar-se, de outros aviões. Tudo isso, idealmente, dentro das suas limitações de combustível e com tempo de espera ao menos aceitável, seja no solo ou no ar.
Para tanto, o controle de tráfego aéreo desenvolveu-se, ao longo de muitos anos e muitos acidentes, com a utilização de vários equipamentos instalados nos aviões e no solo. Nas cabines dos aviões, recheadas com todos os modernos sensores e instrumentos, os pilotos têm a sua disposição muitas informações como a situação e parâmetros de todos os sistemas de bordo, incluindo saúde dos motores (é claro!), altitude, velocidade, posição geográfica atual, etc. Também possuem muitos equipamentos de interesse e uso direto para o controle de tráfego como rádios, sistema de alerta de tráfego e anti-colisão, etc.... Até o misterioso transponder!
No solo, o sistema de controle de tráfego conta com radares, rádios, computadores e olhos atentos!
Normalmente, o problema do controle de tráfego está em saber qual é a posição atual de cada aeronave na área, sua velocidade, altitude, direção de vôo, intenções e destino. De posse de todas essas informações, e conhecendo também a performance de cada aeronave e as características geográficas peculiares da localidade, no caso de aproximação ou partida, o sistema de controle de vôo pode calcular a melhor trajetória para cada avião, de forma que todos possam movimentar-se com segurança. Para auxiliar, existem procedimentos, rotas e parâmetros de vôo pré-determinados, conhecidos e treinados pelos pilotos e controladores.
“E o transponder? Pelo amor de Deus! Pare de enrolar e diga logo para que serve!”
Espera ai! Quem falou isso? O trecho de diálogo acabou na página anterior!
Em todo caso, com ou sem fantasmas no texto, estamos chegando la!
A informação disponível ao piloto, completa ou parcial, a respeito de sua posição atual, velocidade e altitude vem, normalmente, de sistemas embarcados, como o sistema inercial, ou de sistemas que utilizam sinais do solo ou de satélites, como o VOR e o GPS.
O controlador, por sua vez, obtém dados de posição, velocidade e altitude, através do uso do Radar. Aliás, você sabia que a palavra “radar” é uma sigla também? O RADAR (Radio Detection and Ranging – Deteção e medida de distância por rádio) foi inventado em 1941, durante a segunda guerra mundial, para detectar aviões inimigos. Seu princípio básico de operação é a transmissão de pulsos eletromagnéticos (ondas de rádio) que refletem na superfície do avião e retornam para a sua antena. A direção da antena, o tempo para retorno e a variação da frequência indicam a posição e velocidade do “alvo” (o avião).
O transponder, cujo nome também deriva de uma sigla (“Transmitter-Responder”, ou “Transmissor-Respondedor”), é um pequeno aparelho instalado nos aviões, e que surgiu logo depois do radar, a partir das necessidades da guerra. Sua primeira função era responder com um código de identificação secreto (“sou eu! não atire!”) sempre que o avião era varrido (“interrogado”) pelas ondas eletromagnéticas de um radar amigo. Assim, as baterias anti-aéreas não “cuspiam chumbo” naquela aeronave detectada, porém identificada como amiga, pelo radar de defesa.
Passadas as agruras da guerra, notou-se que o radar primário, utilizado pelo controle civil de tráfego aéreo, tinha várias falhas e não detectava bem as aeronaves pequenas, principalmente feitas com muitas partes não metálicas. Além disso, não tinha precisão de altitude ou a identificação da aeronave para informar ao controlador.
Assim, para resolver esses problemas, as aeronaves passaram a utilizar o transponder. Ele recebe os pulsos eletromagnéticos, amplifica e transmite uma resposta, todas as vezes que o radar primário “ilumina” a aeronave com suas ondas (“interroga”). O sinal de reforço e resposta incluem o código da aeronave, a sua altitude e outras informações, dependendo do modo de operação selecionado. Esse tipo de operação de controle de tráfego usando o radar e o transponder juntos é chamado de “radar secundário”.

OK! Agora que todos sabem, finalmente o que é, e para que serve, o transponder, resta saber o que seriam todas essas outras coisas misteriosas que apareceram no meio da explicação, como sistema inercial, GPS, VOR, TCAS, etc...
Êta! Falha nossa! Esses ficam para as próximas!

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